Morava em um sítio de propriedade de seu pai no povoado Congo em Itabaiana - Sergipe. Nesse sítio se plantava de quase tudo para o sustento da família, como batata doce, inhame, amendoim, mandioca, feijão, fava, tomate, cebola, alho etc. O que não era consumido, era vendido e ajudava na compra dos itens que faltavam para a alimentação da família. Entre tantos cultivos, destaca-se o de café. Não eram muitos pés (cerca de meia dúzia) mas, após todo do processo de catar, secar, levar ao fogo e pilar surgia um pó de café de sabor inesquecível.

Sempre muito disciplinado, o menino tinha uma dura rotina diária. Ele estudava durante a manhã na escola primária e a tarde ajudava o pai nos serviços da roça.

Aos 10 anos de idade nutria o sonho de ir morar na cidade grande. Itabaiana era, aos seus olhos, a cidade ideal. Sua irmã e suas primas já moravam e trabalhavam por lá.

Mas para morar nesta cidade ele precisava encontrar um emprego e se sustentar. For então que em uma tarde de sexta feira o menino recebeu o recado de que Noel Barbosa, proprietário de um supermercado local, o GBarbosa, estaria em Itabaiana no dia seguinte.

Esta era a oportunidade de que ele precisava. Iria pedir um emprego para seu Noel Barbosa e, através desse emprego, conseguiria se manter.
Pediu autorização ao pai e a mãe. Dona Teonila sua mãe, sempre muito atenciosa, aprovou a ida do menino mas fez questão de o acompanhar.

No dia seguinte, após uma longa caminhada, chegou até o supermercado GBarbosa e, sem titubear, foi logo pedindo uma oportunidade de trabalho a seu Noel Barbosa em frente a um grande número de clientes e expectadores que ali haviam. Todos riram do pequeno matuto que ali estava.

Em resposta, seu Noel Barbosa argumentou que não podia contratar crianças, mas assim que aquele menino se tornasse adulto iria conseguir um emprego para ele.

Contudo o pequeno rapaz não costumava aceitar não como resposta:
– Preciso desse trabalho para poder estudar – falou o menino
– Me diga por que então seus serviços são necessários? – perguntou o sábio empresário. – Aqui você é muito roubado. Vi várias pessoas saindo com mercadoria sem pagar. – disse o menino sem muito pensar.

– E você é a solução? – questionou Noel.

– Sim, ninguém vai pensar que um menino tão pequeno como eu é responsável por vigiar os produtos do seu supermercado – respondeu.
Todos que estavam presente no momento riram. Porém, seu Noel ficou encantado com a destreza daquele garoto e resolveu dar-lhe uma chance:
– Garoto você tem determinação. O emprego é seu. Você pode começar a trabalhar a partir de agora.

Ao final do expediente, o menino procurou o gerente para se despedir.

Aproveitou o momento para confirmar o horário de entrada no dia seguinte. Foi quando vivenciou a segunda negação do dia. O gerente lhe disse que não precisava dos seus trabalhos e que o mesmo não precisava voltar no dia seguinte.

“Poxa, trabalhei o dia inteiro e ainda tenho que voltar a pé por cerca de 6km para a roça. Tudo isso sem receber um tostão sequer “pensou o garoto.
No caminho de volta para a roça se deu conta de que quem o havia contratado tinha sido seu Noel.

“Tenho que ouvir dele que não sou mais necessário” pensou.
Resolveu voltar até o supermercado.

Ao chegar lá, a porta de ferro de enrolar do supermercado estava quase fechada. Restava menos de 1 metro de abertura. Passou pela abertura sem que ninguém o notasse, e ao ver uma escada e um espanador pois se a limpar as bebidas da prateleira que ficava próximo à saída. Escolheu essa posição porque dali tinha visão do caminho que seu Noel Barbosa precisava percorrer para sair do supermercado.

Próximo às 19h30min Noel Barbosa desceu do seu escritório e observou que apesar de já ser tarde o menino ainda trabalhara. Sentindo que estava sendo observado, a criança fez questão de mostrar ao patrão que ainda limpava as bebidas para que na abertura do supermercado no dia seguinte elas já estivessem prontas para venda. Aproveitando a brecha perguntou se poderia voltar no dia seguinte. Rindo seu Noel lhe respondeu de forma positiva e lhe disse que poderia ir embora no mesmo horário que os outros funcionários.


Isso era tudo que ele precisava ouvir naquele momento.

Ao chegar em casa contou ao seus pais sua façanha. Estes, receosos com uma possível reação negativa do gerente, o orientou a contar-lhe o fato.
Por ser muito novo e inexperiente, o menino pediu para sua irmã o acompanhar no dia seguinte. Ao chegar ao supermercado percebeu que o gerente não ficou feliz em vê-lo mas seguiu a recomendação do seus pais e contou tudo o que havia ocorrido no dia anterior. Mesmo discordando o gerente foi obrigado aceita-lo.
Trabalhou 10 anos neste supermercado. Lá foi vigia (fiscal), depois passou a limpar e repor as mercadorias e por fim trabalhou como empacotador.
Uma memória que ficou registrada foi do dia em que alguém derramou pimenta do reino no chão de um dos corredores. Este fato causou uma grande revolta por parte do gerente que prometeu retaliações para toda a equipe caso o culpado por este ato não fosse encontrado. Os vendedores colocaram a culpa no menino. E ele, com medo de perder o emprego, abaixou-se para limpar a sujeira causada pela queda da pimenta. Foi quando, de repente, recebeu um chute de coturno na cabeça, como se a cabeça do menino fosse uma bola de futebol e um sermão do subgerente, todos riram do sofrimento do menino. Mesmo não sendo o culpado o menino levou a culpa sem defender-se. Ele pagou o pato por alguém que queria ver o seu sofrimento. Tirou de lição que assim é a vida, às vezes o justo paga pelo pecador.

Ir.·. José de Carvalho Peixoto

Mestre Maçom, 33º, Mestre Instalado, membro do Conselho de Mestre Instalados da Grande Loja Maçônica do Estado da Bahia (GLEB) e da Academia Maçônica de Letras Ciências e Artes da Região Grapiúna (AMALCARG).