Minha família tem sua origem na Suíça, o Cantão do Jura, junto à fronteira da França. Lá meu tataravô iniciou seu êxodo em direção ao Brasil, ainda jovem, antes do início da primeira guerra mundial, nos idos de 1913/14.

Ele e sua mulher vieram para o Brasil e acabaram se instalando, definitivamente, no Norte do Estado do Rio de Janeiro, em fazendas de plantações de café. Não conheci meu Tataravô, mas em contrapartida conheci meu Bisavô Libelton Boechat que era um comprador de café, bravo feito uma caninana no choco, andava com uma garrucha na cintura, uma espingarda nas costas e era homem de pouca conversa, quando criança, entre todos os seus bisnetos eu era quem mais tinha acesso a ele.

Meu Bisavô era maçom, antes dele seu pai, meu tataravô, aquele que abdicou da Arte Real ao ter que deixar a Suíça também o fora; assim, seguindo uma tradição dos homens da família o meu pai foi maçom, meus tios dois deles foram e por minha vez, já residindo aqui na Bahia, em Ilhéus, eu tive a honra de vir pertencer a esta maravilhosa família de Filhos da Viúva, onde meu neto Gabriell, por último, foi feito Lawton; nossa família pertence a ORDEM desde antes de 1920 e isso lá se vão, somando, mais de 120 anos.

Aprendi desde cedo que nenhuma palavra, em qualquer língua, ao lado da palavra “MÃE”, tem maior significado e amor envolvido que a palavra “IRMÃO”; assim, por sina, um “IRMÃO MAÇONICO” sempre residiu nos lares de minha família.

Quando chamado por um maçom a palavra IRMÃO tem dimensão e carinho tão profundo que, para muito além da palavra, carrega ela um laço misterioso, poderoso, que a maçonaria através de centenas e centenas de anos, como se fora ela (maçonaria) uma crocheteira, tece-a, quão, como algemas, junções, de AFINIDADE e FIDELIDADE. Já, há tempos, falei sobre isso em outro texto, tamanha é a importância dessa palavra (IRMÃO).

Sabemos que por causa de palavras com significados maçônicos, tão profundos, tais quais MÃE, IRMÃO, SOBRINHO(A), CUNHADA, FAMILIA, é que necessário se faz, cada vez mais, nestes modernos tempos, tomar cuidados (exagerados) nos julgamentos para se trazer um novo membro para dentro de cada uma de nossas Lojas, esse descuido é causa de toda a maioria de nossos males, atritos e sofrimentos. A menos que tenhamos confiança, sem quaisquer dúvidas, de que o indicado é pessoa com índole fraternal, ser quem os irmãos possam se confundir com ele, jamais deveremos propor seu nome e admiti-lo em nossa Fraternidade e comunhão.

Todo Mestre Maçom sabe o quão fácil é ser INJUSTO, sentir ÓDIO, mas que, até por isso mesmo, o quanto é sábio CONSTRUIR O PERDÃO. Já passei por todos estes sentimentos (altos e baixos). O Mestre aprende ao longo de seu caminhar maçônico que é preciso tato, paciência, respeito, empatia, amor, porque todos nós que tidos como homens de “BEM” apesar de sermos abundantes na BENEVOLÊNCIA E FORTES, também por vezes, podemos ser, por pouco, MALVADOS E FROUXOS e, para além disso, podemos, também, nos perder na névoa da paixão ou ser enfeitiçado pelo errado.  

Dito isso, para melhor exemplificar os parágrafos acima, recordo a criança que fui e conto para todos, que quando eu vivia solto na fazenda de meu Bisavô LIBELTON BOECHAT, espingarda de chumbinho a tiracolo e dias inteiros para vadiar, vivendo as margens do velho rio Muriaé que cruzava por dentro de toda a fazenda, separando suas terras em duas, as vezes, por semanas, por meses, ficava sem cometer uma só travessura (era só BENEVOLENCIA E FORÇA), sempre em cima do lombo de um burro chamado BRINQUEDO; outras vezes, nem tanto (eu era MALVADO E FRACO). Salvava peixes de morrer afogado e ou, momento terrível, colocando amarrado no rabo de um gato (chamado relâmpago), uma bola feito de casca de milho seco, incendiando, fazendo com que o pobre gato, apavorado com o fogo ardendo em seu rabo, preso por um cordão, corresse o milharal adentro, numa noite escura, provocando um incêndio, enorme, em toda uma quadra de milho (imaginem, como a PORRADA comeu solta, quase fui pra salmoura).

Outra feita, eu, também em dias de maldades, na fazenda, pátio da casa grande, a minha Bisavó Agripina (conhecida como vovó Sinhá – esposa do bisavô Libelton Boechat), tinha ela lá no chão da sala um couro de onça, onça que havia sido morta no desmatar da fazenda; então, minha Bisavó lavou o tal couro e gritou pra mim: LEONARDO, COLOQUE ESTE COURO PRA SECAR!,... eu peguei o tal couro, que molhado, e tentando descobrir onde colocar aquilo pra secar, sem nada de ver um lugar ideal, pois que o couro era grande e pesado para mim, que tinha uns 12 anos, fiquei desnorteado. Nisso passava no terreiro uma vaca chamada CAPRICHOSA que levava com ela um seu bezerro de uns quatro a cinco meses, que ia atrás dela num caminhar sonolento, daí, não contei conversa, vaca e bezerro mansinhos, coloquei o couro nas costas do bezerro, arrumei o couro bem direitinho no lombo do animal (para secar) que ficou todo cobertinho, as patas do couro da onça se ajustaram direitinho a altura do bezerro.

Missão cumprida!,... solto o Bezerro ele se aproxima da mãe que o estranha, não compreendendo ser o bezerro, escondido embaixo do couro de uma onça, seu filhote, dai, corre; assim, quanto mais o bezerro corria atrás da vaca mais a vaca corria do bezerro. Conclusão da história: No dia seguinte minha avó procura o couro de onça que já deveria estar seco, então, orgulhoso do feito, contei a ela onde o havia colocado para secar e foi um reboliço danado, gritando minha Bisa mandou selarem cavalos e saíram todos os funcionários da fazenda atrás dessa vaca. Acharam a coitada numa fazenda vizinha toda cortada de arames farpados com o bezerro morto a seus pés, foi morto pela própria vaca que o chifrou todo, provavelmente, entendendo ser ele uma onça (dessa vez além da pancadaria, descasei de joelhos, atrás da porta da sala, por tempo suficiente para até cair de costas ao chão, fiquei por quase umas 5 horas nessa agonia).

Contado isso, fácil é entender que enquanto humanos somos, ou seja, possuímos um misto de BENEVOLENCIA E FORÇA, MALDADES E FRAQUESAS, sempre num inacabável alto construir; de fato, somos eternos aprendizes. A Maçonaria nos ensina isso com maestria, somos FORTES naquilo que mais alimentamos, por isso devemos ser BENEVOLENTES uns com os outros, SÁBIO mesmo é seguir a LUZ, deixar nossos corações em harmonia com todos os poderes que GADU nos empresta e, em seu nome, usar da FÉ, ESPERANÇA e CARIDADE, para guiar nossos passos.

Meu Bisavô contava um caso, que foi passado para meu avô e para meu pai, a história de um fato que tinha ocorrido na Europa, caso que sabido por meu Tataravô ainda enquanto vivia lá na Suíça. Caso que serve para ilustrar, de com força, do todo o poder da FRATERNIDADE maçônica.

Meu Tataravô contou a seus descendentes e eu o contarei aos meus irmãos:

Seguia o ano de 1918 e todo o continente Europeu vivia tempos cabulosos, O Cantão, na Suíça, politicamente, socialmente e economicamente, entrava em franca decadência econômica, o êxodo era necessário, a sociedade se esgaçava, fugia-se pela fronteira com a França e de lá para as Américas, pessoas passavam necessidades terríveis, famílias se dissolviam separadas pelas dificuldades e pela fome, avizinhava-se a 1° Guerra Mundial; guerra que se iniciaria em 1919, as famílias se decompunham.

As Necessidades dos homens daquelas terras, diante a proximidade da fome, da falta de recursos, miséria e doenças, fazia transformar homens bons em homens maus; formavam-se bandos de necessitados invadindo tudo e tomando a força o pouco que tinham aqueles de uma melhor situação econômica; caos social.

Um desses bandos, certo dia, invadiu uma determinada casa prendendo uma mulher, que a habitava, junto com três filhos menores. Amarrados foram todos num canto da sala; iniciou-se o saque aos pertences daquela família. Num determinado momento, um dos ladrões que ajudava no saque, encontrou, numa gaveta, rituais e emblemas maçônicos. Aos gritos, quase em desespero, esse homem ordenou que todos parassem o saque, foi obedecido; imediatamente, soltou a mulher e seus filhos pedindo perdão pelo acontecido e foram embora daquele lar sem que nada levassem.

Essa história foi contada pelo dono daquela casa aos seus Irmãos, que entenderam ser aquele invasor um dos nossos irmãos que desgarrado foi provocado pelo horror da necessidade. Alguma encruzilhada do caminho o desviou, separando-o de nós por um, intransponível, abismo; mas, vejam, mesmo no horror daquele momento se levantou dentro dele O IRMÃO.

Assim, piedade, paciência e bondade devem habitar os nossos corações, todo aquele que se extraviou, que se perdeu no caminho, apesar ter de pagar por seus crimes, precisa ser olhado de uma forma cristã, sem amargura e sem frieza, de forma natural, com BENEVOLENCIA E FORÇA; nunca com MALDADE E FRAQUESA. Se um irmão PERDIDO deve e tem de ser condenado, por outro lado deve ser chorado, exemplificado, pois fez um enorme mau a si próprio e, se maçom, a toda a Ordem.

FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE; sempre restarão!,.. Assim seja!

(Parte desse texto foi vivido por mim, parte por terceiros, palavras foram repetidas, copiadas, sonhos vividos, degraus conquistados por vezes dois pra cima, um pra baixo, mas sempre para o alto; eu e desconhecidos participamos e aprendemos).

Por Ir.•. Leonardo Garcia Diniz

M.•. M.•. e 1º Vig.•. da A.•. R.•. L.•. S.•.  Amparo e União 260, Or.•. de Ilhéus