A Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou 2025 como sendo o ano do cooperativismo. No âmbito das Nações Unidas, é tradição escolher determinado tema anual para sensibilizar os governos e as sociedades em torno de questões cruciais do progresso humano. Sendo assim, a temática do cooperativismo tem sido difundida em diversas organizações e recebido importância cada vez maior. O cooperativismo está pautado em princípios e práticas que visam impactar positivamente as relações humanas e o desenvolvimento econômico e ambiental. No âmbito jurídico, tem-se afirmado como um campo próprio e específico de estudos e de atuação dos operadores do direito.

O cooperativismo é uma atividade que reúne mais de 1 bilhão de pessoas e 3 milhões de cooperativas no mundo; no Brasil são mais de 20,5 milhões de cooperados, promovendo geração de trabalho e renda. São mais 500 mil pessoas empregadas no setor e colabora significativamente para o produto interno brasileiro. As cooperativas se organizam em diversos ramos, o mais recente no Brasil começa a ser o de seguros. Além deste, temos: agropecuário; consumo; crédito; infraestrutura; trabalho, produção de bens e serviços; saúde; e transporte.  Isto posto, o cooperativismo não pode ser visto com uma  prática isolada, pelo contrário, tem um vasto campo, além do agropecuário, o qual talvez seja o mais conhecido. E, agora, são oito ramos de atuação.

A prática cooperativista apresenta os seguintes princípios que orientam as relações coletivas: adesão voluntária e livre; gestão democrática, participação econômica; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação; e interesse pela comunidade. Esses princípios e valores  aplicados promovem o desenvolvimento sustentável com centralidade no progresso social e ambiental visando reduzir a pobreza e promover a igualdade entre as pessoas.

O Cooperativismo encontra acolhida na Constituição Federal de 1988 em diversos dispositivos: a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento, art. 5º, XVIII; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, inclusive em relação aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V,  consoante art. 146, III,  “c”;   O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros, art. 174, §3º; e art. 192 sobre cooperativismo de crédito.

O Código Civil trata também do cooperativismo ao considerar as cooperativas como sociedade simples, art. 982, em seu parágrafo único. O Código Civilista abre o Capítulo VII - Da Sociedade Cooperativa para ressaltar as características: variabilidade, ou dispensa do capital social; concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo; limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; quórum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; entre outros aspectos. O Código também determina que na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada. Não obstante, tem-se a Lei Complementar n.130/2009 para dispor sobre o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, ensejando estudos próprios. A novel Lei de Licitações de 2021, art. 16, são alguns instrumentos jurídicos que tocam o cooperativismo,

O Brasil, desde 1971, possui uma legislação própria,  a Lei n.º 5.764,  que define a política nacional  do cooperativismo, o regime jurídico das sociedades cooperativas e dela decorre alguns fenômenos jurídicos, tais como: contrato  de sociedade cooperativa,  ato cooperativo e integralização de cotas de forma singular, por exemplo. O próprio conceito de cooperativa previsto no marco regulatório evidencia seu caráter peculiar:  “As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características”  e segue apresentando uma série de princípios: adesão voluntária, número ilimitado de associados; quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no número de associados e não no capital; neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social, entre outros.

Em 1999,  o cooperativismo passou a ser uma das estratégias de inclusão de pessoas, por meio da Lei n.º 9.867, que tem como objetivo a criação e o funcionamento de cooperativas sociais, visando à integração social dos cidadãos. Essa Lei  tem a finalidade de inserir as pessoas em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho e o fundamento dela está no interesse da sociedade  em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos através da organização e gestão de serviços sociossanitários e educativos e o desenvolvimento de atividades agrícolas, industriais, comerciais e de serviços.

Não obstante, em 2012 foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, a Lei n.º 12.690, que trata das cooperativas de trabalho, que conceitua que são as cooperativas de trabalho: “Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho,” afastando -as das cooperativas de transportes, as de assistência  à saúde,  cooperativas de médicos e de profissionais liberais. Sendo que as cooperativa de trabalho podem ser de serviços e de produção. E elas não podem ser utilizadas para intermediação de mão de obra subordinada.

No contexto da economia solidária e da agricultura familiar proliferam inúmeras cooperativas que favorecem o desenvolvimento econômico e social, por exemplo, a Chocosol e a Coopercuc.  A Chocosol é uma experiência recente e sua base produtiva está no sul da Bahia  na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), por meio de uma fábrica de produção de chocolates, cujas ações são acompanhadas pelo Centro Público de Economia Solidária no Litoral Sul. O objetivo é promover a produção de chocolates dos pequenos produtores da agricultura familiar/economia solidária, além da inovação de produtos e serviços.  A Coopercuc, a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá nasceu de uma experiência exitosa de 44 pessoas e atua com produtos oriundos do extrativismo das plantas nativas do Bioma Caatinga, sendo umas das referências nacional e internacional. A produção dela respeita os eixos social, ambiental, cultural e econômico.

No âmbito da reciclagem, temos também dispositivos jurídicos que permitem a contratação de cooperativas para atuarem no  contexto da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, por meio de dispensa, conforme aponta a lei de licitações no art. 75,  IV, “J”. A Bahia tem articulado programas específicos de apoio para essas cooperativas, estimulando a participação delas nos principais festejos do Estado e disponibilizando equipamentos e máquinas para facilitar a produção e a prestação de serviços ao longo do ano.

No Estado da Bahia, o cooperativismo tem uma atuação destacada do  Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado da Bahia (Oceb), que tem entre as suas finalidades representar as cooperativas estaduais, orientar e assessorar, e conta com a articulação do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado da Bahia, responsável pelos processos formativos cooperativistas entre outras atribuições. A Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte na sua estrutura possui a Superintendência de Economia Solidária e Cooperativismo (SESOL) e no estado existe um excelente Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Cooperativas na UFRB, no  Recôncavo, que iniciou sua primeira turma em 2008, a partir do conjunto de docentes visionários, cuja graduação já formou diversos profissionais.

O Estado da Bahia tem a Lei n.º 11.362/2009, que instituiu a Política Estadual de Cooperativismo para incentivar a atividade cooperativista e contribuir para o seu desenvolvimento no Estado da Bahia; fomentar e apoiar a constituição, a consolidação e a expansão de cooperativas no Estado; estimular a captação e a disponibilização de recursos financeiros destinados a apoiar ações desta Política; e apoiar técnica e operacionalmente o cooperativismo no Estado, promovendo as parcerias necessárias ao seu desenvolvimento, assim como instituiu o Conselho Estadual de Cooperativismo.

A Bahia tem o maior número de agricultores familiares no Brasil e tem a política pública de economia solidária mais robusta do País, portanto, reúne um campo fértil para ter no cooperativismo um dos braços do seu desenvolvimento. O Cooperativismo bem difundido e apoiado pelo Estado pode favorecer a afirmação de projetos estruturantes, especialmente, nos centros urbanos sob a perspectiva da inclusão socioprodutiva mediante prestação de assistência técnica e de incentivos financeiros e creditórios especiais, voltados  à criação, desenvolvimento e integração das entidades cooperativas.

Efson Lima

Doutor em Direito/Ufba e advogado.

Coordenador de Assistência Técnica e Inclusão Socioprodutiva/SESOL/SETRE-BA.

efsonlima@gmail.com